Sobre as minhas lembranças


Ela disse com a maior convicção do mundo:
- Ontem negrinha - esse era o jeito que ela me chamava - eu cheguei a sentir pena de ti.
Nesse momento, tive vontade de gritar até a última célula que ainda vive no meu pulmão:
- Pena?! Não preciso de ninguém sentindo isso por mim, não sou digna desse sentimento.
Mas, eu na minha tentativa de manter o resto de integridade que me sobrava, não fiz absolutamente nada. Continuei parada, sentada em um sofá branco ouvindo desaforos alheios, aos prantos, me humilhando diante daquelas que me minimizavam.
Meu coração estava acelerado. Pedi por favor para que parassem de dizer tais palavras. Meus olhos estavam cansados, mas de uma certa forma, diziam-me que a dor um dia passaria entre tantas e tantas lágrimas. As pessoas não entendiam, elas não entendiam. Estava desmoronando e ninguém me salvaria, tinha um cansaço impregnado em mim e uma exaustão de sorrisos falsos enquanto no fundo eu sangrava.
Na verdade, não tinha mais forças para lutar.
- Ela sentiu-se ofendida - disse uma das mulheres - por isso te disse aquelas coisas...
Numa tentativa frustrada de um pedido de desculpas, eu lembrava dos gestos e das frases ditas, eu não merecia. Ninguém merecia. Minha claustrofobia aumentava a cada instante presa entre aquelas paredes verdes e brancas. Elas pensavam que eu estava feliz e satisfeita, mas eu não ficaria bem.
A dor foi, e ainda é, enorme. Peço perdão a quem concorda com Shakespeare, mas o sofrimento não é opcional: é uma consequência da angústia.
Acredito que o puro ato de me redimir não foi o suficiente: ainda levo olhares cruzados pelos corredores e meu nome não é mais dito com tamanha alegria. "Aquela não é flor que se cheire", talvez pensem. Porém ninguém entende o que é sentir-se inútil. E era assim que me sentia: uma palavra em meados de um extenso capítulo.

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