
Era uma vez uma janela. Ela era sozinha e extremamente reservada, para falar bem a verdade, nunca gostou da companhia dos outros objetos que estavam na sala de estar, não admirava o contato, entende? Era um ser estranho. Seu hobbie era encarar as pessoas que passavam na rua com desgosto, principalmente quando estavam em grupos. Creio que simplesmente sentia-se vazia, mas mesmo assim nunca a entendi. Era um mistério, uma incógnita.
O sr. Sofá pensou que ela teria alguma doença mental, daquelas que só médico consegue diagnosticar e medicar, porém nunca a direcionou uma palavra. Morria de medo que ela saísse por ai guspindo pedaços sujos e pontiagudos de vidro.
Contudo, em uma certa tarde de agosto, a dona da casa, decidiu instalar um treco que ficava grudado no teto logo encima da janela. Ninguém sabia pra que servia e nem entendiam o motivo do aparecimento de tal objeto. Acreditamos que ele seja inanimado ou tímido, não disse uma palavra até hoje. A Janela insatisfeita com tal situação só reclamava e reclamava e reclamava... eu sinceramente queria jogar uma das minhas antenas em direção àquele vidro e quebrá-la inteirinha, mas morria de medo de ser substituída.
Dois dias depois chegou um pedaço de pano vermelho, bem chamativo e com um enorme sorriso no rosto e esse pano foi colocado naquele treco lá que estava encima da Janela e a tampou. Fiquei tão feliz que saiu faíscas da minha aparelhagem (ou estou velha mesmo...).
Pedimos pra aquele grande tecido vermelho e sorridente seu nome e ela disse que era a Cortina. Inturmou-se facilmente entre nós, principalmente com os novos objetos que recém haviam entrado na sala, mas não conseguiu nem um "Prazer em conhece-la" daquela estúpida Janela.
Alguns meses se passaram, chegou naquela fase de calorão sabem... é ai que eu esquento tanto que penso que vou explodir e queimar a estante. Preciso me conter, não posso ser substituída. A Janela acordou um dia a ponto de quebrar-se inteirinha: haviam a vandalizado e escrito coisas obscenas em sua sujeira. Ficou tão brava que acabou por falar tanto, mas tanto que ninguém ali a aguentava mais. Ninguém?... A Cortina continuou a ouvir, atentamente. E, além disso, a aconselhou. Viraram amigas. Pelo menos é o que dizem, minha imagem já está um tanto quanto prejudicada, não consigo enxergá-las direito, aqui nessa casa não aumentam o brilho nas minhas configurações.
Mas nunca imaginei que daria certo. A Janela nunca, nunca conseguiria manter um contato tão grande. Naqueles meses que fica embaçada iria voltar a tentar enxergar as pessoas da rua com desgoto. Tenho absoluta certeza disso.
Porém, o que nem eu sabia, é que a Janela possuía pensamentos tão idealizados e tão tristes sobre a vida. Acredito que ela já tenha presenciado tantos choros e tantas tristezas que acabou por tornar-se desse jeito também: triste e cansada da vida. Pelo menos nunca demonstrou, por enquanto. A partir de hoje, comecei a vê-la com outros olhos.
Já mencionei que a janela possuía furos? Pois é, era remendada. Sua rachaduras haviam sido remendadas pela famosa cola super bonder. Ela resistiu muitíssimo bem à elas, nunca disse um 'ai'. Mesmo assim, durante a noite eu escutava um barulho de chuva que no final das contas não era água que vinha lá de fora.
A Cortina nos fez visualizar tudo isso. Agradeço-a por isso. Nunca imaginei que seria agradável conversar com aquela indiferente e rachada Janela. Não sei, acho que minha audição também está corrompida, preciso do volume 20 para escutar agora... mas ouvi que tem alguém ali da sala que não estava indo muito bem.
Alguns que conviviam conosco diziam que ela estava brincando de chamar atenção porque havia aparecido um rasgo. Outros falavam que era pura tristeza. A Janela, até onde eu saiba, não disse uma palavra. Isso eu estranhei. Pobre cortina, estava tão triste. Quer dizer, não sei, ninguém sabe. Ela estava sendo rasgada por aquelas malditas crianças que moravam na casa. O vermelho havia enjoado ao ver delas. E pensar que está sendo substituída dói muito, mesmo que não seja isso a verdade.
Creio eu, que a Janela somente tinha medo de magoar os sentimentos da pobre cortina com aquele jeito "meigo" que ela possui. Não entendo isso também, é triste. Eu sei.
A cortina foi para a máquina de lavar e nunca mais voltou. A Janela foi ignorada por todos os objetos por um bom tempo, mas ela voltou a sua sádica vida de observar e desgostar das pessoas. Até que um dia o sr. Sofá tomou coragem de falar:
- Você é a culpada Janela! Você afastou-a de nós, sua ingrata. Ainda por cima, fez-a chorar.
A Janela fitou-o com aquelas sujeiras nos cantos do vidro e falou:
- Se você soubesse como eu sinto a falta dela e como dói em mim não vê-la todo dia e sentir-me tão deslocada aqui, não diria isso. Eu não sou a culpada, entenda isso. Eu tinha medo. Isso mesmo, medo. Não queria deixá-la pior e nem fazê-la chorar mais. Eu tenho algum tipo de sentimento ok? Eu amo ela e ela sempre vai ser minha melhor amiga. Se não isso, sempre vai estar no meu coração.
Todos da sala, inclusive eu, ficamos mudos. Pena que ninguém mais verá aquela nossa velha amiga com seus rasgos costurados e remendados. Agora, com outro buraco no vidro, quem precisa de reparos é a não mais insensível Janela. Sinto pena dela. Não entendo porque ela ainda espera...
__________________________________________________________________
Moral: Todo mundo sente saudades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário