Reencontros passados

(pra um amigo nem tão distante assim)

Chovia e ventava em um sábado próximo ao verão e, deitada, conseguia ouvir o barulho das cortinas se mexendo pela falta de vontade de levantar e fechar a janela. Do meu lado, entre os livros empilhados na cabeceira da cama, tinha uma carteira de cigarros escondida neles, mas cada vez que olhava lembrava minha tentativa quase falha-quase perfeita de parar e agüentava aquela vontade que surgia do dedão do pé até o meu ultimo fio de cabelo.

Don’t make me live without you, diz o personagem da tevê. “Besteira” berrei com todas as forças do meu pulmão, “não mente, idiota. Viver sem ela é a coisa mais fácil que vai fazer, ela que vai sofrer. Mentiroso.”. Com o passar do tempo, minha cama mostrou-se companheira da minha quase tristeza-quase disfarce de uma vida que, talvez, eu queria de volta. Agora não sei mais... enquanto vejo essas declarações de amor fictícios e escuto a voz de um quase amigo-quase algo a mais meu, depois de me ouvir dizer que a vida não vale a pena ser vivida

- Cala boca, eu to aqui...

- Ta mesmo?

- To.

(silêncio)

- Meu copo ta meio vazio, meio incompleto...

- Incrível te ver assim agora que eu to tri bem – falou com aquele sotaque gaúcho.

- Fico feliz. Vou desligar, au revoir.

Prefiro acreditar que aquele último suspiro que ele deu no telefone foi devido a tentativa de falar alguma coisa que poderia ser tão incompleto e vazio quanto o meu copo, mas who cares? Ele não se importava tanto assim com a imagem dos outros individualmente, mas com a idéia da imagem dos outros com ele. Acho que eu simplesmente não era o tipo de garota que ele esperava. Baixinha e morena não combina com loiro e alto. Ou poderia? O infinito tatuado no meu pulso me lembrava que tudo é possível, mas a minha rotina me lembrava de situações passadas, de pessoas antigas e de sentimentos que eu, possivelmente, nunca mais sentirei.

Ligou de novo e falou:

- Flores. Ele nunca me deu flores e eu sempre quis receber rosas, apesar desse meu jeito rústico de all star e calça jeans não demonstrar.

- Ele era um idiota, para de falar dele. Queria te ver.

(silêncio)

- Eu tava lendo em um livro de signos esses dias. Peixes tende a arruinar relacionamentos.

- Você também é de peixes, dois dias antes que eu, lembra?

- Mas eu nunca arruinei, eles foram arruinados por pessoas que não me amavam o suficiente.

(silêncio)

Lá fora a chuva tinha parado e o vento estancado, mas o frio tinha voltado. Maldito sul! Sempre tão frio, quero ir embora pro norte, pensei. Coloquei um casaco enquanto segurava o telefone com o pescoço e pedi

- hey, ta ai?

- to... to cansado.

- você acha que se nós tivéssemos tentado dois anos atrás, teria dado certo?

- não sei... mas continuamos amigos o tempo todos, isso é bom, né?

- Eu acho... mas teria sido mais interessante se você tivesse pego um cavalo branco e me seqüestrado com você.

- Um pouco antiquado... te colocaria dentro do meu carro modelo 2009 e te levaria pra minha casa, poderia ter sido assim...

- Mas não foi.

(silêncio)

- Nós nos perdemos no meio do caminho, acredito que essa seja a nossa última chance de encontrar o que jogamos fora uns anos atrás.

- E se...?

- Nós pensamos demais tempos atrás, pára. Me imagina ai, do teu lado agarrando teu rosto e falando que essa é a nossa ultima chance.

- Não sei se quero.

- Nem eu, mas e se for pra ser?

- Daí vai ser.

(silêncio)

- To ficando cansada...

- Vai dormir.

- Queria companhia, mas tenho que me agradar com o Caio.

- Quem é Caio?

- Meu ursinho.

- Porque “Caio”?

- “Mas você não vê. Não vê, não enxerga, não sente. Não sente porque não me faz sentir, não enxerga porque não quer.”

- Que? Ta louca?

- Caio Fernando Abreu. Como eu queria ter conhecido ele.

(silêncio)

Fiquei quieta por um momento, ouvindo aquela respiração que deixava meu coração pulsante, clamando pela companhia e pelo abraço daquela pessoa do outro lado da cidade, que, talvez nem soubesse o quanto esperava dele ou o quanto o queria.

Não estava mais vazia, só estava sozinha.

- Você ta bocejando, vai dormir.

- Não. To bem.

- vou desligar e te deixar.

Deve haver algum tipo de sentido, algum tipo de loucura. Porém, cansei de escrever textos e pensar em pessoas que um dia foram meu mundo e que, escrevendo, poderia senti-los comigo. Encontrei na estranheza um motivo pra continuar, mesmo que pense que daqui um tempo, ele se enquadrará no conceito “você foi tudo e eu perdi.”.

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